Dentro
CARLOS CORREIA
Fotos (c) dmf
Apresentas no Next Room uma série de desenhos e
pinturas com algumas novidades. Podes descrever o processo que te levou a estes
trabalhos? Que elementos novos podemos encontrar?
Estas pinturas e
desenhos dão continuidade a várias questões que tenho vindo a explorar e, nesse
sentido, não representam uma novidade absoluta.
São trabalhos que
foram aparecendo de um modo orgânico, sem programa. Havia uma série de ideias
que queria continuar a trabalhar, mas tive vontade de me aproximar delas de um
modo diferente. Por exemplo, a ideia de mise en abyme, a representação do
espaço de trabalho e/ou de exposição, etc. As primeiras pinturas desta série
continham figuras, resgatadas de várias obras da história da pintura ocidental.
Mas à medida que o trabalho foi avançando, fui percebendo que, aqui, a
possibilidade de uma figura funcionava melhor que a figura propriamente dita.
Então, comecei a rasurar as figuras já inscritas. Esse foi um momento decisivo
para o que se seguiu.
Esta abordagem
diferente acabou por criar um novo rosto e trouxe consigo alguns elementos,
esses sim, que não estavam presentes em trabalhos anteriores. Todas estas
pinturas começam pela inscrição (na tela) de uma moldura que não deixa de ser,
simultaneamente, a representação de um espaço interior: chão, tecto e duas
paredes. A partir daqui, vão surgindo planos que podem parecer espelhos,
quadros, ecrãs, mesas, buracos, etc..
Nesta exposição também vais mostrar um livro de
artista, algo que tens feito com alguma recorrência nos últimos tempos. Podes
descrever do que se trata? E já agora como inseres a produção destes livros na
tua prática?
Este livro foi
apresentado pela primeira vez na exposição quadro / mesa, que fiz na Galeria
Pedro Oliveira, no Porto. Em Outubro de 2012 criei a editora LOSSOFAURA e este
é o sétimo livro que edito. Apesar de serem lançados, geralmente, por ocasião
de uma exposição, não funcionam como catálogos. Os livros pretendem ser obras
com alguma autonomia, pois em cada um acontece algo que só neste pode ter
lugar.
Por exemplo, apenas
no livro quadro / mesa é possível ver os desenhos mais pequenos desta série,
antes de serem colados ao prolongamento com que cada um deles se apresenta na
exposição.
O nome da editora é
uma referência à loss of aura benjaminiana, pois, de uma forma ou de outra,
todos os livros lidam com a questão da cópia, do original, da reprodução, etc..
Não há dois livros iguais, pois cada um deles é montado (ou paginado, se
preferires) individualmente.
Estes livros mais
não são do que uma forma diferente de tratar os assuntos que me interessam e
que têm povoado a minha pintura, os meus desenhos ou os meus vídeos.
O teu trabalho até este ponto tem-se caracterizado pela
existência de séries de trabalho abertas em permanência e em paralelo. Ou seja,
em vez dos tradicionais corpos de trabalho que mais tarde se materializam numa
exposição, tu optas por trabalhar simultaneamente em vários, deixando o sentido
da própria exposição em aberto. As tuas exposições normalmente não são sobre um
assunto. São “tiros” disparados em várias direcções: acontecimentos mediáticos
que poluem os ecrãs; a evocação da tradição da pintura através da citação
directa de pinturas antigas; retratos de personagens que povoam a nossa
contemporaneidade; imagens do cinema, das séries de televisão, etc. Desta vez
parece-me (e também na tua última exposição no Porto) que existe alguma mudança
a nível dos temas e da própria pintura. Esta perde um pouco a figuração para se
tornar a meu ver um pouco mais cerebral. Porquê esta mudança?
Antes de mais, não
se trata de uma mudança; tal como dizes, tenho vindo a manter várias séries de
trabalho abertas em permanência; no momento expositivo, as diferentes séries
podem (ou não) misturar-se. Quadro / mesa e Dentro não são mais do que novas
séries. Pelo menos por agora.
Evidentemente (e desejavelmente,
parece-me) o trabalho de um artista vai sofrendo mutações, dobras e
replicações.
Quando está série
ganhou consistência pareceu-me que deveria ser apresentada sózinha. Não foi a
primeira vez que o fiz : por exemplo, nas exposições La Place du Spectateur
(LPS I no The Mews Project Space, Londres e LPS II na Baginski
Galeria-Projectos) foi isso que aconteceu; uma série de trabalhos que foi
apresentada por si só.
No teu trabalho, estabeleces uma clara fronteira entre
o que chamas de “pinturas interiores” e “pinturas exteriores”. Podes explicar
do que se trata?
Essa designação
surgiu em 2004, como forma de organizar o trabalho que ia sendo produzido. Se,
por um lado, fazia obras que partiam de imagens preexistentes, por outro iam
surgindo coisas (desenhos e pinturas, essencialmente) sem referente directo no
mundo visível, sem modelo. Obviamente, as exteriores são as que partem de um
modelo visível. Claro que existem outro tipo de modelos, que são as imagens que
povoam o nosso interior. A distinção reside, então, no acto de olhar para fora
(pinturas exteriores) ou olhar para dentro (pinturas interiores).
E onde encaixas os trabalhos desta exposição, tendo em
conta esta tua classificação? São pinturas interiores ou exteriores?
Embora os planos de
que atrás falámos possam facilmente sugerir quadros, mesas, espelhos, etc.,
considero estas como pinturas interiores, na medida em que não partem de
qualquer imagem preexistente no mundo visível. Ou seja, na construção destas
obras, eu “olho para dentro”.
Para ser rigoroso,
as pinturas desta série são interiores e os desenhos são exteriores, pois ainda
que estes não sejam cópias das pinturas, são feitos a partir delas.
E sobre o futuro da pintura? Nesta era da imagem,
totalmente dominada pela tecnologia, como pode a Pintura, a teu ver, ter alguma
relevância? Resistência ou assimilação? Ruptura ou continuidade? E em que
termos?
Ainda que Paul
Delaroche tenha afirmado, quando em 1839 viu o daguerreótipo, que “a partir de
hoje a pintura morreu”, que Aleksandr Rodchenko tenha “reduzido a pintura à sua
conclusão lógica” ou que Ad Reinhardt tenha feito “a última pintura que alguém
pode fazer”, a pintura continua bem e recomenda-se.
A verdade é que,
apesar de várias tentativas de assassinato ou, no mínimo, de silenciamento, a
pintura continua a resisitir. E, com certeza, também a assimilar. Com vontade
de voltar a procurar assuntos para além do processo pictórico e da sua
materialidade - embora estes continuem a ser caminhos viáveis - e liberta da
obrigatoriedade de não olhar senão para si mesma, a pintura tem sabido
adaptar-se ao que vai mudando à sua volta, sem, contudo, perder a sua
identidade.
Enquanto pintor,
hoje, sei que não posso - nem quero - deixar de olhar para trás, para a longa
tradição da pintura. Mas sei também que devo - e quero, igualmente - olhar para
a frente, para esta “era da imagem”, como tu dizes.
A pintura faz-me a
olhar para dentro, olhar para fora, olhar para trás e olhar para a frente; a
pintura leva-me a tentar conciliar esta multiplicidade de pontos de vista; a
pintura obriga-me a dar a ver esta montagem de olhares, de tempos e espaços.
Assim, não posso
senão afirmar a vitalidade de algo que me faz fazer tudo isto.
CARLOS CORREIA
Carlos Correia nasceu em Lisboa, 1975. Licenciado
em Artes Plásticas pela ESAD, CR, fez o Projecto Individual em Pintura no
Ar.Co. É Mestre em Artes Visuais pela Universidade de Évora e frequenta o 3º
ano do Doutoramento em Belas Artes-Pintura na FBAUL. É representado desde 2005
pela Galeria Pedro Oliveira (Porto), desde 2006 pela Baginski-Galeria Projectos
(Lisboa) e desde 2008 pela Galeria Fucares (Madrid). É, desde 2006, professor
de Teoria e Prática da Pintura na Arte Ilimitada – Escola de Artes Visuais
(Lisboa).
De entre várias exposições individuais,
podemos destacar Carlos Correia – Pintura
(Galeria Luisa Strina, São Paulo, 2008); Moon and Something Else... (Galeria Pedro Oliveira, Porto 2009); Ensaio (Baginski Galeria Projectos,
Lisboa, 2010); Supervivencia (Galeria
Fucares, Madrid 2012); Le Plaisir au
Dessin (Appleton Square, Lisboa, 2012); La
Place du Spectateur I (Mews Project Space, Londres, 2013); La Place du Spectateur II (Baginski
Galeria Projectos, Lisboa, 2013); quadro
/ mesa (Galeria Pedro Oliveira, Porto, 2013/14).
Está representado em diversas
colecções públicas e privadas, das quais podemos destacar: Fundação PLMJ; Fundação Engº António Almeida; RAR
(Holding); Colecção Teixeira de Freitas; H.S.J.D - Espacio de Arte
Contemporâneo de Almagro; Fundação Ilídio Pinho; Colecção Madeira Corporate
Services; Coleccion Caja Madrid; Tróia Design Hotel – Contemporary Art
Collection; Colecção [Safira&Luis] Serpa; Fundação Pedro Barrie de la Maza;
Masteschitz Collection, Salzburg, Deutsche Bank, Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste Gulbenkian.
Em 2012 criou a editora LOSSOFAURA na qual editou, até ao momento, sete Livros de Artista.
https://www.facebook.com/CarlosCorreiaStudio