Vanitas
MARTA MOURA
A tua Configuração
chama-se Vanitas. Porquê este título?
O título para esta exposição surgiu juntamente com a ideia
dos trabalhos que gostava de apresentar neste espaço do Next Room, uma espécie
de natureza morta expandida, uma composição fragmentada, uma instalação de
pinturas. Como que um Vanitas contemporâneo que saltou de um quadro para se
multiplicar e compor o espaço envolvente, em diversas peças.
No teu trabalho
convivem pelo menos que eu dê conta, 2 formas diferentes de se chegar a uma
pintura: pela soma de pinturas que representam objectos isolados; e pinturas
onde convivem e se sobrepõem muitos objectos no mesmo espaço do quadro. Como
estabeleces as diferenças entre estas duas formas de pensar e trabalhar?
São dois corpos de trabalho formalmente diferentes, mas que
de alguma maneira se tocam nos assuntos que abordam. A série de trabalhos que
se apresentam como sobreposições de diversas pinturas no mesmo quadro, surgiram
no decorrer do meu trabalho de tese do curso de mestrado de Pintura. Este trabalho
desenvolvido, O Insustentável Peso da Imagem, partiu da ideia do excesso da
imagem no quotidiano contemporâneo. A aceleração, intensificação, massificação
da produção e reprodução da imagem, daí, na maioria desses trabalhos, a tela se
apresentar repleta, em sobreposição, num excesso de imagens, quase num
apagamento da representação pela própria representação, onde as imagens
representadas apagam-se entre si.
No exemplo dos trabalhos das séries Desastres e Lixo
o tema do excesso e aceleração também é abordado, mas de uma forma diferente na
sua apresentação. Os objectos são representados como naturezas-mortas.
Selecionados, organizados e compostos sobre a tela ou o papel, onde unicamente
o objecto é representado deixando a área envolvente em branco. Uma organização
e esvaziamento.
Porquê o teu interesse
na representação dos objectos do dia-a-dia em pintura?
Acho que parte da ideia de representação de uma
natureza-morta contemporânea. Da familiaridade e proximidade que temos com os
objectos, banais e vulgares, com que nos relacionamos no dia-a-dia, do que eles
representam e de novos significados que podem tomar. Ao mesmo tempo, uma
interpretação, citação e questionamento do género clássico da Pintura numa nova
aparência. Os objectos que nos rodeiam podem representar os mais diferentes
assuntos, os mais diferentes significados e ao mesmo tempo a realidade comum e
mundana. Beleza, prazer, fragilidade, memória, vaidade, futilidade, transformação, decadência, precariedade, morte... Uma
representação da fragilidade e brevidade da vida, do mundo e das coisas.
No teu trabalho existe
muitas vezes uma carga irónica forte. Como se pegasses na grande tradição da
natureza morta e lhe desses a volta de uma forma muitas vezes quase subversiva.
De que forma se pode subverter a tradição depois das sopas Campbell`s ou das
Brillo Box do Andy Warholl?
Bem, são trabalhos que no meu percurso vão fazendo sentido,
e vão surgindo de ideias que ganham forma na vontade de as explorar… Eles não
partem de uma vontade subversiva, mas de uma forma de ver as coisas…Um olhar
sobre as coisas.
Nas tuas pinturas de
objectos individuais agrupados em prateleiras existe uma grande dose de
encenação. A ideia de teatralidade interessa-te?
Talvez se aproxime mais da ideia de composição, como se de
um quadro se tratasse, mas ganhando uma dimensão escultórica, uma pintura-instalação.
Uma pintura que sai para fora da própria tela, toma diferentes composições,
diferentes suportes…uma pintura expandida.
Numa das pinturas que
vais apresentar no Next Room decides pintar a capa do cd Ok Computer dos
Radiohead num trabalho com a mesma escala do cd original. Será correcto dizer
“ceci n`est pas un cd”?
Este encontro entre a pintura e a escultura surgiu durante
os trabalhos realizados para a exposição “Lost and Found” que apresentei no
museu da Carris, sobre os objectos que todos os dias são perdidos nos
autocarros que circulam em Lisboa. Alguns dos objectos representados ganharam
tridimensionalidade, construídos nas dimensões reais, uma caixa de remédios (em
acrílico sobre alumínio), uma bíblia (em acrílico sobre mdf), uma nota de 500
euros (em acrílico sobre papel), conferiram a estranheza de um possível
encontro dos objectos. Uma falsa sensação de presença. A ausência do objecto
perdido.
Aqui estes
objectos-pintura, aludem ao referente e ao mesmo tempo transpõem para símbolos,
novos significados, sobre as coisas, a vida, sobre a pintura. Uma instalação
natureza-morta.
E sobre o futuro da pintura? Um tema
como a queda da Europa por exemplo, pode ser representada em pintura? A pintura
de história fará sentido? Pergunto isto porque por vezes nas tuas pinturas de
“sobreposição” parece haver uma procura de múltiplos assuntos como se dissesses
que tudo se pode pintar. Ou pelo menos tudo se pode transformar em pintura.
Pode mesmo?
A Pintura irá continuar, seguindo as mudanças e o questionar
de novas possibilidades e de novos caminhos, renovando-se, reconfigurando-se em
novas perspectivas, novos modos de ver o mundo e as coisas. Acho que parte da
vontade artística pois todas as possibilidades tomam sentido como força de
reinvenção, na pintura e na arte.
Marta Moura
Nasceu em 1978, em Lisboa. Em 2007 concluiu o Mestrado em Pintura pela FBAUL, expondo o trabalho resultante na Sala do Veado (MNHN), tendo já completado em 2002 a Licenciatura em Pintura na ESAD, Caldas da Rainha. Em 2007 foi selecionada para o III Prémio de Pintura Ariane de Rothschild em Lisboa e participou no evento coletivo Rasura que teve lugar no espaço Avenida 211, também em Lisboa. Foi selecionada para integrar a bienal Jeune Création Européenne 2011-2013 que viajou através da Europa e que foi apresentada em Amarante, Portugal. Nos últimos anos tem participado em diversas exposições individuais e coletivas na Áustria (Pavilhão de Portugal, Hangar-7, Salzburgo, 2009), Portugal (XV e XVI Bienal de Cerveira, Galeria Luís Serpa Projectos, Junho das Artes, em Óbidos, Galeria NovaOgiva, Round the Corner, Galeria do Museu da Carris, Artecontempo e Hospital Júlio de Matos) e Espanha (International Call for Young Artists –XIV Edition, Valencia, 2012) . O seu trabalho encontra-se incluído na coleção da Fundação PLMJ (Lisboa), da Fundação Ilídio Pinho (Porto), do Museu da Bienal de Cerveira, na coleção Safira e Luís Serpa e em coleções privadas em Portugal, França e Áustria.
http://www.martamoura.com
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