1º Período
Apresentam
no next room uma série de trabalhos em desenho e pintura feitos enquanto alunos
de alguns dos cursos do Nextart. Porque é que decidiram colocar-se outra vez na
pele de alunos de artes plásticas?
Nós tentamos
sempre desenvolver projectos de raiz para cada espaço em que vamos apresentar o
nosso trabalho. Sendo o Next room um projecto ligado à escola Nextart e
atendendo a que já tínhamos trabalhado anteriormente com outras duas
"instituições de ensino", em projectos para os quais convidámos
estudantes a nos retratarem (com alunos de desenho da FBAUL e com crianças de
um ATL da Associação Palha de Abrantes) achámos por bem mudar de abordagem.
Há cerca de cinco anos
atrás fizemos o curso de Pintura na SNBA e lembrámo-nos que os exercícios das
primeiras aulas eram muito interessantes, geralmente simples e rápidos,
servindo para ajudar, a compreender (mesmo a pessoas que não estejam
familiarizadas com estas coisas), a linguagem básica do desenho e da pintura,
trabalhando noções de: ponto, linha e mancha; claro-escuro; composição;
equilíbrio; cor; etc.. Dada esta experiência anterior enquanto alunos de um
curso de iniciação tínhamos noção que a frequência de vários cursos diferentes
poderia dar um conjunto muito interessante e diversificado de resultados, daí
termos optado por frequentar todos os cursos de iniciação da escola.
O
Nextart, oferece vários cursos na área das artes plásticas: Pintura, Desenho
Ilustração, mas também História de Arte, Escrita Criativa, etc. Como foi o
processo? Frequentaram todos os cursos ou houve alguma selecção?
Nós
“pré-seleccionámos” todos os cursos práticos de iniciação. Iniciação porque
queríamos poder produzir pelo menos um exercício por aula, e nos cursos médios
ou avançados é comum trabalhar a mesma proposta ao longo de várias sessões. E
práticos devido ao que nos interessava como resultado, ou seja, ao
frequentarmos os cursos pretendíamos objectos para a exposição, e por mais
interessante que pudesse ser assistir às aulas de História de Arte, achámos que
já nos estaríamos a afastar desse objectivo concreto. Dissemos
pré-seleccionámos, porque dos 11 cursos que tínhamos escolhido acabámos por só
participar em 9, um porque tinha atingido o limite de vagas e um outro por
questões de horário.
Quanto
ao processo propriamente dito, propusemo-nos a frequentar 3 aulas de cada um
desses cursos (em média são aulas de 2h45) e, se nuns casos fomos às primeiras,
segundas e terceiras aulas, noutros foram os formadores que sugeriram as aulas
que achavam mais interessantes nós participarmos (evitando aulas mais teóricas
e / ou de apresentação). Houve ainda um caso em que, por razões de espaço,
assistimos às aulas num canto, participando quando alguém faltava e
reconstituindo os exercícios em casa, quando tal não acontecia.
Relativamente ao trabalho apresentado
aqui: um conjunto alargado de pinturas e desenhos. O que é que vos interessa
mais nestes trabalhos. O resultado plástico formal especifico a cada
desenho e pintura, ou responder à especificidade do exercício proposto pelo
professor? Ou seja, qual a diferença entre ser a Sara e o André a expor no next
room ou um aluno vosso colega de um dos cursos do Nextart?
Digamos
que as duas coisas - processo e resultado - nos interessam de igual maneira.
Nós gostaríamos que não houvesse grande diferença entre serem obras nossas ou
de colegas, uma vez que são apenas respostas a exercícios (cujos enunciados
tentámos sempre respeitar). E, independentemente de termos mais ou menos jeito
do que os nossos colegas (mais numas coisas menos noutras), admitimos que por
várias vezes demos por nós a cobiçar os resultados dos outros alunos ao ponto
de chegamos a pensar que poderíamos antes ter feito uma espécie de curadoria
dos alunos de iniciação Nextart, fazendo a mesma exposição com os mesmos
exercícios mas sem serem realizados por nós. Mas, além de não nos termos
lembrado disso antes de começar o projecto, foi também muito interessante e
enriquecedor, uma vez que não o costumamos fazer, dar resposta a toda esta
quantidade de propostas. Muitas destas coisas não as fazíamos desde o período
em que estudámos, há aproximadamente oito anos, sendo que algumas nunca
tínhamos mesmo experimentado.
Quanto
à selecção, a exposição ainda não está montada mas não estamos a pensar fazer
uma selecção dos (melhores) trabalhos, à partida pensámos mostrar todos os
exercícios, TPCs incluídos. Talvez no caso de exercícios que repetimos muitas
vezes possa ser feita uma escolha, mas mesmo isso não é certo, só tomaremos
essa decisão durante a montagem.
Optaram
por mostrar todos os exercícios que foram feitos. Desde as primeiras pinceladas
e testes de cor em papel, a exercícios de pintura de observação com modelo.
Cada um desses trabalhos vem acompanhado com uma breve descrição do exercício
proposto. Quando expõem indiscriminadamente o trabalho feito, sem
seleccionarem, o trabalho ganha um lado documental forte. Se virmos a vossa
exposição vamos ficar a conhecer os exercícios de desenho e pintura propostos
nos cursos que vocês seleccionaram. Quase que se pode comparar a vossa prática no
Nextart com a de um antropólogo que vai viver com determinada tribo escondida
na amazónia. Integrando todas as suas práticas, fazendo parte da sua
comunidade. Para desde dentro, conseguir perceber o que acontece, e assim
produzir conhecimento. Interessou-vos essa produção de conhecimento? É mais
importante para o espectador da vossa exposição que perceba como funcionam os
cursos de artes plásticas no Nextart, ou será mais o vosso gesto (dois artistas
plásticos com um trabalho regular dentro das instituições de arte contemporânea
que decidiram voltar á escola)?
Nós
diríamos que é um cruzamento dessas duas coisas, um "confronto" do
nosso gesto com o meio bastante específico que é a escola Nextart. Não achamos
que seja um estudo antropológico, apesar de gostarmos da comparação e
considerarmos válida essa leitura. Mas se o projecto passou (também) aí perto,
esse não era o nosso objectivo inicial. Digamos que à partida para esta
exposição pensámos que se um dos objectivos principais da programação que tu
fazes neste espaço, é a apresentação de artistas de fora (da instituição
Nextart) aos alunos que frequentam a escola (reforçada até pelo convite a dar
uma aula aberta que acompanha o convite a expor) seria interessante produzir
algo a partir dessa mesma matéria que é a própria escola.
Vejo muitas vezes no vosso trabalho, uma
dimensão institucional forte, como tema de trabalho. Sei que a Sara e o André
têm uma fundação onde convidam artistas a realizar trabalhos em que o tema
normalmente são vocês dois. Aliás o trabalho em colaboração com outros artistas
é muito frequente no vosso percurso. Isso levanta várias questões. Usando este
tipo de abordagem parece-me que estão no fundo vocês próprios a exercer algum
tipo de poder ou a simular os mecanismos de legitimação da arte como se faz
hoje em dia. Qual a vossa intenção? Ironia, contestação, minando por dentro
essa ideia de poder? Ou uma incorporação real desses mecanismos no vosso
trabalho?
Esta questão refere-se
mais ao nosso trabalho no seu cômputo geral do que propriamente a esta
exposição em particular e, por essa razão, preferimos não responder. Podemos
ainda assim acrescentar algo que identificamos ser comum a esta exposição e a
outros projectos que fizemos anteriormente, que é uma certa vontade de não
assumir alguns dos “deveres” de um autor, delegando em quem (e também nas
circunstâncias que) vamos encontrando pelo caminho, a execução, o tema, a
natureza, etc. das obras que produzimos e apresentamos. Neste caso, (respostas
a) exercícios criados pelos formadores da escola Nextart. Quanto às nossas
intenções, preferimos que não sejam claras, até para não ficarmos reféns das
expectativas que se possam criar a esse respeito.
Quando
recusam esse "dever do autor", assumem outros papeis. Esses outros
papeis têm sido no vosso trabalho muitas vezes de gestão. Gestão de pessoas, de
condições, de criação de regras de jogo estabelecidas por vocês. Esse tipo de
procedimento é inevitavelmente o do exercício de um certo tipo de autoridade.
Quando estão a responder a um conjunto de exercícios propostos por um conjunto
de formadores estão-se a colocar aparentemente num papel inverso. Mas a grande
regra continua lá e foi estabelecida por vós. Porque são vocês os autores da
exposição. Ou seja, no fundo não há uma anulação desse "dever do
autor". É a mesma coisa que um pintor partir para uma exposição e
determinar à partida o tema dessa exposição. Alguém que trabalhe assim faz o
mesmo que vocês: estabelecem um conjunto de regras iniciais. O que me leva a
perguntar o que é que está para além dessa "grande regra" no caso dos
trabalhos feitos no Nextart? Trabalhar o tema da escola conduz a um certo tipo
de leituras para além da recusa do dever do autor...
Boa, obviamente tens razão, e por isso
dissemos “alguns” dos deveres do autor na pergunta anterior. Quanto à última
parte da pergunta, não há, na nossa opinião, muito a assinalar além dessa
“grande regra”. A verdade é que tu és o responsável por estarmos a desenvolver
este projecto na Nextart que sem o teu convite, nunca teríamos iniciado. E por
mais que possamos dizer que é (ou foi) interessante frequentar aulas, responder
a exercícios, mexer com diferentes materiais, relembrar certas coisas, aprender
outras, perder ou corrigir vícios, confrontar e submeter o nosso trabalho à
avaliação imediata de formadores e colegas, a verdade é que analisando
friamente, foi apenas mais um projecto em que tentámos ser fieis a esse
conjunto de princípios que guia a nossa prática e que temos (também) estado
aqui a discutir. Referimo-nos à nossa experiência pessoal, porque no que diz
respeito a possíveis leituras é algo que preferimos, mais uma vez, deixar em
aberto. Digamos que essa será a tarefa do visitante da exposição, se o mesmo
assim o desejar.
Sara &
André nasceram, em 1980 e 1979, em Lisboa, onde vivem e trabalham. Estudaram,
respectivamente, Realização Plástica do Espectáculo na ESTC, em Lisboa, e Artes
Plásticas na ESAD, nas Caldas da Rainha. Expõem regularmente desde 2006.
Das suas exposições individuais, destacam-se: Greve (3+1 Arte Contemporânea, Lisboa, 2013), Cheap Trick (Queen’s Nails Projects, São Francisco, EUA, 2011), Sara & André (Inflight, Hobart,
Austrália, 2010), Claim to Fame
(Fundação PLMJ, Lisboa, 2010) e Sara
& André (3+1 Arte Contemporânea, Lisboa, 2008). Desenvolveram,
igualmente, projectos individuais nas feiras Just Mad, em Madrid (Espanha, 2010) e Arte Lisboa (Lisboa, 2008).
Das diversas exposições colectivas em que participaram sobressaem: Ensayos Autónomos (OTR Espacio de Arte,
Madrid, Espanha, 2012), O Riso (Museu
da Electricidade, Lisboa, 2012), Dig Dig (Plataforma
Revólver, Lisboa, 2012), Carpe Diem, 11ª
Exposição (Carpe Diem, Lisboa, 2012), Sara
& André / Gavin Turk (The Mews, Londres, UK, 2012), A Filosofia do Dinheiro (Museu da
Cidade, Lisboa, 2010), A Museum is to Art
what a great Translator is to a Writer (Galeria Baginski, Lisboa, 2010), A Escolha da Crítica (Plataforma
Revólver, Lisboa, 2009) e Anteciparte
(Páteo da Galé, Lisboa, 2006).
Participaram ainda em vários programas de residência, entre os quais se
destacam: Laboratório de Curadoria
(Guimarães Capital da Cultura, 2012), Home
and Abroad (Xerém / Triangle Arts Network, Sintra, 2010), Residências Artes Visuais ZDB (Galeria
ZDB, Lisboa, 2008/2009). Estão representados em colecções públicas e privadas
tais como Fundação PLMJ (Lisboa) e Bes Arte e Finança (Lisboa).