TIAGO MOURÃO
A tua “configuração” tem como título Já Não
Estamos em 2001 e Isto Não é Uma Odisseia no Espaço e nela apresentas um conjunto de
pinturas sobre papel, nas quais se repete uma grelha de 12 quadrados pretos. Em
cada folha, de forma alternada, pintas uma pequena imagem. Que relação tem o
título que escolheste com o conjunto de trabalhos que apresentas?
O título escolhido é um trocadilho feito a partir do filme do
Kubrick. É um filme que tem exercido uma grande influência na forma como
procuro referências arquitectónicas para o meu trabalho. Para além de toda a
simbologia patente no filme, interessam-me sobretudo as estruturas ambíguas que
vão aparecendo, que me facultam imensas referências úteis para o meu trabalho.
Relativamente aos trabalhos apresentados, o uso da grelha em que apenas uma
imagem está pintada surgiu ao observar amigos meus da área do multimédia a
fazer pós-edição de filmes e de curtas-metragens. Os frames são apresentados
neste registo e, dada, a duração de cada um, existe uma repetição imediata
entre cada imagem embora todas sejam diferentes. Lembrava-me também dos rolos
de fotografia analógica, observar no negativo as imagens alinhadas, cada uma
contida num rectângulo. Foi isto que despoletou esta série. Quanto ao facto de
apenas uma imagem estar pintada, pretendo reduzir essa multiplicação das
imagens, como se tratasse de um frame "escolhido" entre tantos outros
possíveis; e penso ser interessante ver a relação da própria figura com os
restantes quadrados "vazios", que não têm história, apenas se
confrontam com questões espaciais.
Que imagens são essas que pintas sobre o papel?
De onde vêm?
As imagens que pinto resultam de uma pesquisa imagética que
faço diariamente, um diário gráfico constituído por pequenos registos
fotográficos de coisas que vejo na rua, perfeitamente banais. Para mim, é um
substituto do diário gráfico comum com materiais riscadores. Estas estruturas
banais ou espaços que vou registando têm algo de monumental, às vezes não
visível num primeiro momento. Trabalho as imagens de variadas formas, os
enquadramentos, aplicações de cor ou aumento da escala tornam visíveis certas
características que, antes, não estavam presentes. Grande parte do meu trabalho
resulta desta recolha que faço; encaro essas imagens como se fossem maquetes de
arquitectura.
São
fotografias que vais partilhando no Instagram. O formato quadrado das fotos que
se partilham nesta rede social influenciou, de alguma forma, a escolha do
formato para estas pinturas?
Nestes pequenos formatos, o quadrado de edição das fotos teve
alguma influência, talvez inconsciente. Nas pinturas de maiores dimensões, uso geralmente
formatos mais rectangulares, pois permitem uma maior abrangência, em termos de
descentralização do "subject" no que diz respeito à composição. Permite
composições mais arrojadas. Quanto à cor, nestas pinturas, optei por uma paleta
monocromática, numa tentativa de tornar estas estruturas mais sólidas.
Por que
chamas “diário gráfico” a esses registos fotográficos que vais fazendo? A noção
convencional de diário gráfico está mais ligada à prática quotidiana do
desenho.
Durante muitos anos tive um diário gráfico convencional, de
pequeno formato, no qual utilizava sobretudo meios riscadores (grafite,
canetas, tinta-da-china…) mas não conseguia registar na totalidade os elementos
que pretendia apreender em determinada situação, pois, em termos de desenho
livre, não me permitia controlar as linhas rectas, os ângulos e os paralelismos
das estruturas que observava. Perdia imenso tempo a efectuar esses registos e
pouco ou nada me beneficiava, quanto à cor na sua totalidade. Com a máquina
fotográfica, consigo efectuar vários registos num curto espaço de tempo, tentar
outro tipo de composições que tinha dificuldade numa folha de papel.
Para a tua exposição, estabeleceste uma regra
prévia à produção dos trabalhos para o Next Room. Nomeadamente, a de optares
por uma estrutura fixa: uma série de folhas de papel subdivididas por 12
quadrados negros, configurando uma grelha regular. Podes explicar melhor essa
regra?
Optei por inserir as imagens numa grelha
regular previamente definida, por razões anteriormente referidas, tais
como o conceito de repetição: ao surgirem neste enquadramento, embora isoladas,
as imagens obrigam, de certa forma, a uma multiplicação mental. Ao observarmos
todas as obras, pode eventualmente surgir uma ideia de narrativa, por cada
imagem conter um espaço próprio nesta grelha, mas se isolarmos cada uma
individualmente, surge a sensação de que o quadrado vazio que se segue à imagem
é, obrigatoriamente, uma representação semelhante ou um arquétipo da
mesma.
Gostava de saber a razão pela qual optaste por
dividir as folhas em 12 quadrados ao longo de 12 folhas. Há alguma razão
encriptada para isso? Obedeceste a alguma lógica mais numerológica?
Foi uma escolha puramente visual. Um filme consiste num conjunto
de frames todos acoplados que, no final e após a edição. formam um conjunto que
gera movimento e cor. Neste caso, tentei dissecar alguns elementos, dar
autonomia a cada imagem, partindo sempre do princípio em que podia pegar nos
processos criativos de outras áreas, do cinema e da própria fotografia, e gerar
um pensamento plástico a partir daí, em vez de partir, por exemplo, do produto
final - um filme ou uma fotografia. Os doze quadrados e as doze pinturas foram
uma escolha também meramente visual: o confronto entre cada pintura e o espaço
que as circunda pareceu-me interessante.
Queria
perguntar-te sobre a relação da fotografia com a pintura. Como disseste atrás,
fazes fotografias diariamente, no que chamas o teu diário gráfico. Quando as
fazes, pensas que podem dar origem a futuras pinturas, ou deixas-te levar apenas
pelo lado mais fotográfico (composição, luz/sombra, etc.)? O que te leva a
pintar determinada imagem e não outra? Os motivos por detrás dessa escolha são
puramente plásticos ou são mais “narrativos”, no sentido de gostares tanto de
uma imagem que te apetece ter uma versão pintada a óleo?
Os registos fotográficos que faço numa base diária surgem,
por vezes, de forma inconsciente. Passo por algum sítio, algo me chama a
atenção, tiro a fotografia e não penso mais nessa imagem. Mais tarde, quando a
observo, depois de já ter feito outros registos, essa imagem irá relacionar-se
com outras, mas tudo de forma muito imediata. Uma imagem só possui certos
elementos que me interessam, mas que, no seu todo, podem não resultar. O que
tento fazer consiste em conjugar uma série de elementos distintos que vou
ligando com elementos de imagens diferentes. Algumas servem de referente-base
para algo, mas há, ainda, um longo caminho a percorrer até se tornarem em algo
mais substancial, em que posteriormente faço a minha intervenção através da
pintura. Os motivos são puramente plásticos, embora, às vezes, exista uma
relação mais denunciada entre as imagens e a pintura. Como referi, não posso
afirmar que goste delas ao ponto de usá-las como modelo na sua
totalidade; faço isso exactamente porque acho que lhes falta algo, estão
incompletas e, através de uma intervenção plástica noutro suporte, tento
acrescentar-lhes algo.
Tiago Mourão (Lisboa, 1987)
Licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, conta ainda com a frequência do 1º ano do curso de História da Arte na FCSH da Universidade Nova de Lisboa (2005/2006).Participou em diversas exposições, destacando-se as colectivas: "Terre Inconnue" com Jorge André Catarino, Espaço Cultural das Mercês, 2014; Paisagens Improváveis, com Ana Tecedeiro, Galeria Bloco 103, Lisboa, 2013; Prémio de Pintura e Escultura D. Fernando II, artista seleccionado, 2010; exposição de Pintura no âmbito do ciclo de conferências: “Os Processos Criativos nas Artes”, ISCTE, 2010; e a exposição individual Cidades de Vidro, Galeria Imargem, Almada, 2011.
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