Trabalho de Campo
MARIA CONDADO
O teu trabalho, de uma forma geral, tem-se centrado sobre o grande género da Paisagem. Digamos que a linha do horizonte tem ocupado as tuas pinturas com alguma persistência, normalmente estabelecendo uma divisão, no plano da Pintura, entre céu e terra. Esse uso é premeditado? Porquê a escolha desse tema?
Sim, nas minhas duas primeiras
exposições - “Promised Land” e “Jardim Botânico” - a linha do horizonte era
bastante marcada e a divisão entre céu e terra muito forte, especialmente
porque essas paisagens eram mais depuradas, com poucos elementos. A partir da
exposição “Ocidente”, comecei a explorar perspectivas mais fechadas, mais
próximas. Para mim, a linha do horizonte deixou de ser um eixo importante de
construção da pintura. Sobre o género da Paisagem, não sei responder por que me
interessa constantemente. Nem sei dizer o que é a Paisagem. Mas compreendo as
palavras de Cézanne: “Há que ir ao Louvre pela Natureza e voltar à Natureza
pelo Louvre.” A Natureza, ou melhor, no confronto com a Natureza, estão
contidas todas as questões sobre a vontade criadora do homem - neste caso, a
Arte.
Nas tuas paisagens,
vejo uma espécie de deslocação do subúrbio para o jardim. Ou seja, enquanto
nos teus primeiros trabalhos eram-nos dadas a ver paisagens desoladas, pontuadas
com elementos industriais ou arquitectónicos,
nos últimos detectamos um enfoque nos jardins e em paisagens mais
"idilicas", nos quais esses signos da modernidade
são substituídos por elementos/ornamentos vegetais. Por vezes, a
figura humana também aparece. Porquê essa mudança?
Eu vivo em Lisboa, sempre vivi. Mas
gosto muito de passear pela cidade e pelos subúrbios da cidade. Nas minhas
primeiras telas, estava mais presente o que eu via nos subúrbios, no intervalo
entre cidade e campo. Interessava-me a ideia de um lugar híbrido.
Pensava que a Natureza não se podia
pintar, tinha (e tenho) talvez uma espécie de pudor em pintar só a Natureza,
pois já está lá tudo! As construções e as figuras humanas incluídas na paisagem
aparecem, então, talvez como âncoras a essa minha questão. Nessas composições,
havia o confronto entre natureza e construção humana. Talvez agora não esteja a
fazer algo de muito diferente, porque os jardins na cidade são também
construções humanas. Há um lado artificial que sempre me interessou - como o de
poder visitar uma árvore exótica proveniente de outro continente, num jardim
botânico no meio da minha cidade.
Nas
conversas que temos mantido, falas muito da ideia de paraíso – ou,
pelo menos, de uma certa ideia de felicidade – ligada, por um lado à
prática (produção) de uma pintura e, por outro, à fruição estética, quando esta
é recebida pelo espectador. Quando vejo as tuas pinturas, lembro-me muito da célebre
frase do Matisse: “O que eu sonho é com uma arte de equilíbrio, de pureza
e serenidade, sem assunto preocupante ou deprimente, uma arte que possa ser
para todos os trabalhadores, o mental, o empresário, assim como o homem de
letras, por exemplo, um calmante, uma influência calmante sobre a mente, algo
como uma poltrona que proporciona relaxamento do cansaço físico.” Achas que
a Pintura pode ter essa função, hoje em dia?
Essa questão é difícil de responder, mas muito divertida
de pensar. A arte não tem de ter função nenhuma. Ou melhor, talvez a função da
arte seja relembrar que nem tudo tem que ter função. Que o mundo é muito mais
que dinheiro, trabalho, produtividade, racionalidade e blá blá blá. E Matisse,
que era um esteta, sempre esteve mais interessado nessa experiência do Belo. Identifico-me
com isso.
Para esta tua
exposição, os trabalhos foram feitos no local (os jardins de Lisboa), a partir
da observação directa. Numa era dominada pela imagem e pela disseminação de
aparelhos que a produzem e reproduzem, em que grande parte dos pintores
contemporâneos usam-na como ferramenta de uma forma ostensiva, vejo na tua
atitude uma espécie de provocação a este status
quo da imagem digital. Como te situas em relação a este facto? Por que
recusas a intermediação fotográfica para a produção dos teus
trabalhos?
Eu não recuso nada. Já usei a Fotografia como recurso à Pintura e pode
ser que volte a usá-la. Mas a verdade é que, neste momento, tive a necessidade
de me sentir mais livre. Por um lado, de não estar confinada ao espaço do
atelier; por outro, de não usar o auxílio de recurso algum. Apenas o bloco de
folhas e os materiais. A exposição intitula-se Trabalho de Campo exactamente
por isso - por ser uma espécie de investigação in loco. Senti vontade de experienciar o lugar, de misturar-me nele
(e isto não acontece se trabalharmos a partir de uma fotografia). Quando
desenhamos à vista, muitas são as questões que se colocam: o que devo incluir,
que perspetiva escolher, qual é a figura principal, o que é o fundo. São tantas
as possibilidades, ainda mais se estivermos no meio da exuberância da Estufa
Fria, por exemplo, onde tudo é espetacular! Penso que a Pintura, acima de tudo,
é um espaço de escolhas – escolher o que se quer que fique expresso e
cristalizado, escolher e encontrar a própria voz.
Entrevista realizada em Junho de 2013 por Martinho Costa, artista plástico e responsável pela série de exposições Configuração, no next room.
Maria Condado Lisboa (1981),
Vive e trabalha em Lisboa.
Formou-se em Pintura pela FBAUL em 2004.
Das suas exposições individuais destacam-se Ocidente (2012), Jardim Botânico (2009) e
Promised Land (2007) na Galeria Caroline Pagès em Lisboa.
Das suas
exposições colectivas destacam-se Pavilhão de Portugal, Hangar-7,
Salzburgo, Áustria (2009); Vestígio, Hospital Júlio de Matos (2008); Superfícies
de Contacto, Centro de Arte de São João da Madeira (2008). Foi também
seleccionada para o Prémio Anteciparte, Lisboa (2006) e para o Prémio de
Pintura Ariane de Rothschild, Lisboa (2005).
Foi a artista convidada no ano de
2011 a integrar a colecção e ilustrar com as suas obras o Relatório e Contas
- 2010 do Grupo RAR, Porto.
O seu trabalho está também incluído na colecção
da Fundação PLMJ em Lisboa e em colecções particulares em Portugal, França e
Áustria.
http://www.mariacondado.com/
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