JOÃO FERRO MARTINS
fotos (dmf)
A tua Configuração chama-se Mellow
(meloso, melodioso) porquê esse titulo?
Porque,
mais uma vez, este termo refere-se a coisas que são de interesse para mim, a
música e os movimentos quotidianos. De Mellow fazem parte a melodia, o
melodrama e também o meloso ou, como eu gosto de pensar, a preguiça afectuosa.
Não será a preguiça pecaminosa, mas a outra que não faz mal ao espírito.
Como é a tua relação com os títulos?
São muito
importantes, ora são conteúdo acrescentado à peça, ora são pleonasmos. Neste último
caso servem apenas para conter o sentido do objecto naquilo que para mim será o
essencial e que já está presente no objecto, restringindo leituras parasita.
Normalmente deixo por intitular objectos que são mais autónomos ou que, por
outro lado, serão tão alienantes que por vezes nem eu sei bem o que está a
acontecer. Basta que lhes reconheça uma carga que os coloque num lugar
agradável, que os torne singulares.
Eles são determinantes na fase de
desenvolvimento e procura dos trabalhos ou aparecem-te depois?
Acontecem
ambas as situações. Quando estou a
trabalhar em obras mais racionais, acontece que o trabalho é feito em toda a
corrente de ideias que me leva mais tarde a determinado resultado que, por essa
altura, se trata apenas da sua execução sem surpresas. De outra forma também
acontece muito que a minha interação com o objecto, no processo de manipulação,
seja essencial para intitular a obra. A mim parece-me que é o que tem
acontecido mais ultimamente. Estou mais carnal com o trabalho, mas delicado e
mais permissivo. Deixo-me ser guiado pelos enunciados mais do que tentar satisfazer
quaisquer pressupostos que obriguem as ações a corresponder demasiado à
primeira imagem mental.
Sei que esta exposição é o
seguimento de uma outra que fizeste no ano passado a que chamaste La cosa che
vuoi dirmi è bella o brutta.
No teu trabalho utilizas objectos
que reconhecemos do dia-a-dia. Um pouco no seguimento da pergunta anterior
podes descrever o teu processo de trabalho. Quais os motivos que te levam a partir
para determinada peça/objecto?
Tendo a
utilizar aquilo que me rodeia, muito cedo entendi que não seria só pintor ou só
escultor, músico ou qualquer outra coisa. Acho que sou hiperactivo, inconstante
e facilmente aborrecível. Decidi fazer tudo o que me fascina e aprender um
pouco sobre o que é necessário para o fazer. Sou fascinado pela criação. Não
sou genial em nenhuma das actividades que pratico, mas também não sou escravo
delas. Divirto-me bastante. Utilizo o que me rodeia porque é a coisa mais honesta
que posso fazer e escolho um objecto quando sou escolhido por ele. Posso andar
à procura de qualquer coisa específica e cruzar-me com essa coisa, mas também
deixo que o acaso encontre forma de invadir os processos o que faz com que as
coisas se alterem, quase sempre para melhor. A interferência com a memória
também cria um desejo de trabalhar com determinados objetos.
Tens o teu site dividido nas
seguintes categorias: escultura, instalação, desenho, fotografia. Enquanto no
separador da fotografia o critério parece-me claro: impressões em superfícies
bidimensionais de papel. Na escultura, na instalação e na pintura e até no
desenho (onde tens objectos como luvas, etc.) é-me mais complicado estabelecer
uma diferença. Quais são então para ti os critérios de diferenciação dos
suportes que utilizas?
Se fizermos
uma ponte mais nocional e não tão técnica tudo fará sentido. As categorias
ilustram intenções e não os fins. Um trabalho sobre pintura pode muito bem ser
um objecto tridimensional ou mesmo uma performance, como já fomos habituados.
Sou mais fiel às intenções do que às classificações.
Quando usas objectos e os
transformas eles nunca perdem a sua forma inicial. Não existe um afastamento
radical do original. Irritas-te quando te falam no Duchamp? Eu pelo menos já
não posso ouvir falar dele…
Gosto muito
do Marcel Duchamp, apetece-me falar dele como de qualquer outro artista. Mas o
que ele me ofereceu é tão válido e precioso como aquilo que retirei das obras
mais clássicas. O meu trabalho só é mais semelhante ao dele porque dou
respostas muito típicas dessa herança. Interesso-me muito pela subtileza das
afinidades obtusas que podemos ter entre dois ou mais objetos ou entre duas ou
mais ações. Gosto mais de conjugar do que modelar.
E o som? Sei que a parte sonora
também é muito importante no teu trabalho. Por vezes ele aparece em peças tuas,
e também fazes performances sonoras. Qual a tua relação com o aspecto
sonoro/musical? É mais o aspecto melodioso (mellow) ou a pura matéria sonora
que te interessa?
Interessa-me
tudo. Fazem parte do universo sonoro, tanto a melodia como o ruído, cada um tem
as suas vantagens. Gosto de tirar partido de ambas. O meu trabalho plástico é
brindado com tratamentos mais concretos, o trabalho musical que faço fora das
Artes Plásticas por exemplo, com as bandas onde toco, é mais melodioso. Mas o
que faço em acções musicais, e agora recentemente para Teatro, é quase sempre
uma mistura.
Existe desde a alguns anos a esta
parte uma espécie de regresso à escultura, objectos, estruturas tridimensionais
com ecos minimalistas, mas tratados com uma escala menos ambiciosa e com uma
precariedade consciente. Como que ao sugerir esse minimalismo impecável dos
anos 60, mas fazendo-o desta vez de uma forma mais instável, vincasse pela diferença
o carácter precário dos objectos apresentados. Numa espécie de reflexo desta
época economicamente conturbada. Tu no teu caso pensas nessas coisas? Interessa-te
neste momento devolver uma imagem da particularidade dos tempos em que vivemos?
Não penso
muito nisso mas acontece por vezes reconhecer qualidades naquilo que faço que
me remetem para movimentos específicos da História da Arte. De qualquer forma
não estou preocupado em fazer parecer mais isto ou mais aquilo. A roupagem
daquilo que exponho é alinhavada pelo que defendo como uma estrada para o
absurdo. Não tento referir-me a nada de muito complicado, apenas reforçar o que
todos já sabemos mas que tento enaltecer ou distorcer através do trabalho. No
entanto, não posso deixar de admitir que a precariedade me obriga a ter jogo de
cintura. Obriga-me a fazer cedências que, por esta altura, entendo como sendo
mais uma etapa natural do processo.
Interessa-me
mais que a minha linguagem seja cada vez mais particular, não no sentido de a
fazer corresponder aos tempos ou de sobressair, mas no sentido de obter
resultados cada vez mais apurados, essa é a pesquisa que me interessa. Tentar
descobrir uma possível cura para a rotina e, com alguma felicidade, poder
administra-la aos outros.
JOÃO FERRO MARTINS (Santarém, 1979)
Frequentou na E.S.A.D. Caldas da Rainha o curso de Artes Plásticas onde dá início ao seu trabalho em pintura, desenho e fotografia. Reside em Lisboa desde 2003 onde a sua obra ganha presença tridimensional e sonora. Desenvolve também enumeras acções que envolvem música, performance e vídeo.
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