H
FILIPE MATOS
Chamaste à tua Configuração H|agá|. Porquê a
escolha deste título, a única letra do abecedário que não se lê.
Um dos motivos foi precisamente o facto de a
letra H não ter qualquer som no alfabeto português. Ou seja, remete para o
silêncio. A imagem a partir da qual desenvolvi este conjunto de trabalhos tinha
a palavra “HOTEL” inscrita no placar publicitário e esse foi outro dos motivos;
decidi não incluir essa palavra nas pinturas.
Uma mesma imagem serve de base á tua
configuração no next room. Porquê a escolha dessa imagem? Porque decidiste
desmultiplicá-la em várias pinturas?
Encontrei essa imagem na internet há alguns
anos. Não me lembro ao certo do que me levou a guardá-la. Tenho por hábito
alimentar um banco de imagens, virtual e físico, criado desde os tempos de
estudante, na Universidade de Évora. Os placares (outdoor) interessam-me como
espaços, espaços integrados noutros espaços/paisagens. Assumem formas diversas
e encontram-se espalhados por toda a parte. Basta andar na rua para nos
depararmos com eles. As imagens também. Há um trânsito constante de imagens e
informações a uma velocidade avassaladora. Uma imagem fotográfica serviu de
mote/ideia para esta exposição. Achei que poderia fazer uma série de pinturas
sempre com o mesmo tamanho partindo sempre da mesma imagem. O plano sofreu
alterações e desdobrou-se noutras possibilidades. No entanto, julgo que esta
imagem e conjunto de trabalhos apresentados nesta exposição ainda me podem dar
mais.
Como é o teu processo de trabalho? Serves-te
sempre de imagens como base de trabalho? São feitas por ti ou são encontradas?
No meu processo de trabalho deambulo entre
imagens, desenhos, pinturas e objectos/maquetas. As imagens têm fontes
diversas, ora feitas por mim (fotografadas) ora encontradas na internet, jornais,
panfletos, etc. Interessa-me essencialmente que o meu trabalho tenha a
capacidade de evocar e projectar. Servem-me de base ideias, imagens, desenhos,
pinturas, objectos e o próprio fazer decorrente da pintura. De coisas nascem
coisas.
Como já referi tenho um banco de imagens ao
qual recorro quando acho oportuno.
A “paragem de autocarro” representada numa das
pinturas desta exposição foi feita a partir de uma fotografia que eu próprio
realizei e tem, nesta configuração, o papel de estabelecer diálogo com os
restantes trabalhos, de abrir uma porta para outras ideias, espaços e
analogias.
Nas tuas primeiras pinturas parecia muitas
vezes haver uma espécie de ambiguidade entre a representação ilusionista do
espaço e uma preocupação com valores mais abstractos da pintura: linhas,
geometrias e forças de tensão. Para o next room parece-me haver uma mudança
para um maior realismo. A superfície bidimensional aparece agora trabalhada na
grande tradição da pintura como uma janela para o mundo. Porquê esta mudança?
A ambiguidade é importante nos meus trabalhos.
Interessa-me uma certa indefinição ou incapacidade de designar.
Neste conjunto de trabalhos há mudanças mas
não são acentuadas. Para mim é sempre uma continuação. O aparente realismo
resulta fundamentalmente das relações que procuro colocar em jogo entre imagem,
fotografia e pintura.
Se antes era o espaço que aparecia na tela,
agora parece-me que um valor menos visível, começa a transparecer nestas
pinturas, o tempo. Como se o espaço num registo mais naturalista ganhasse outra
temporalidade: o tempo próprio do aparecimento manual de uma imagem em pintura.
Isso interessa-te? Notas diferenças no processo que condicionem o resultado
final?
Considero o espaço e o tempo importantes no
meu trabalho. Porém, como referi anteriormente, o meu trabalho e processo de
trabalho não sofreram grandes alterações. Procuro apresentar ideias,
afirmações, interrogações, reticências… A pintura é também uma linguagem.
Parece-me que nestes novos trabalhos a luz
ganha uma autonomia própria. Nas imagens nocturnas a luz parece sempre vir do
interior da pintura. Como se a pintura fosse auto-iluminada. Como uma imagem
projectada na tela do cinema cuja fonte é um potente projector de luz. Desta
forma e tal como numa sala de cinema, o observador convive com as imagens de
uma forma muito mais intima. Na pintura somos convidados, por dispositivos de
ocultamento/revelação na tradição de Caravaggio, Rembrandt e dos tenebristas
barrocos, a ver uma determinada cena. Para ti foi importante esta manipulação
mais narrativa que pictórica? Ou foi apenas a imagem em si pelos seus valores
formais que te motivou a trabalhar?
Gosto particularmente da noite, do
negro/preto. Sugere o enigmático, o mistério, a negação, a afirmação, a palavra
"não"... A utilização do preto na história da pintura tem um longo
percurso, servem de exemplo os artistas Ad Reinhardt e o português Fernando
Calhau, entre muitos outros...
A relação que colocas entre o cinema e os meus
trabalhos é curiosa. Nesta exposição a luz tem um caráter cénico preponderante.
A luz projectada nas pinturas e a luz que delas advém acentua esse carácter
cenográfico e eventualmente misterioso nos trabalhos.
As pinturas que vais mostrar são espaços
reais, mundanos, situações que poderíamos ver num passeio à noite pelas ruas de
Lisboa. Edward Hopper partindo de situações muito prosaicas, conseguiu
transformá-las pelo tempo da pintura em momentos quase irreais. Existe algo de
mais metafísico que te esteja a interessar trabalhar na pintura ou no objecto?
Também os minimalistas nos objectos que construíam com uma grande economia de
meios, acabavam por transcender a materialidade dos objetos…
Sim, estas pinturas partem de fotografias de
espaços reais. O envolvimento pessoal com o meu trabalho deve manifestar-se no
próprio trabalho. Edward Hopper representava nas suas pinturas paisagens em que
o silêncio e a melancolia eram verdadeiros protagonistas. No decorrer deste
conjunto de trabalhos deparei-me várias vezes com a ideia de silêncio, da qual
resultou a escolha da letra H como título da exposição.
O que poderemos esperar das tuas pinturas no
futuro?
O mais importante é continuar a pintar.
Filipe Matos, 1987, vive e trabalha em Lisboa.
Licenciou-se em Artes
Visuais - Multimédia (variante de Pintura) e concluiu o Mestrado em Ensino de
Artes Visuais, ambas formações na Universidade de Évora.
O seu trabalho artístico desenvolve-se através de vários meios de
expressão, privilegiando a Pintura e o Desenho.
Participou em diversas exposições
individuais e colectivas, das quais se destacam as exposições individuais “Lugar
|do espaço e da pintura|” no Sput&nik - the window (2013) e a exposição
"Entre" na Galeria Arte Periférica (2012) e as exposições
colectivas "Summer Calling ́10" na Galeria 3+1 Arte Contemporânea,
"Festival Cantabile - A Arte da Música de Câmara - "Música de Câmara
e Vídeo Arte" no auditorium do Goethe-Institut (2011), "Anual de
Vídeo Arte Internacional de Lisboa 2011", FUSO, no claustro do Museu de
História Natural e "Museu do Esquecimento II" na Galeria Palácio de
Galveias (2009).
O seu trabalho foi premiado na edição de
2011 do prémio de pintura Abel Manta, com o 1o e 3o lugares. Participou
também no projecto "Próxima Paragem Cultura" - Metro, Lisboa
(2010).